David Hume


David Hume (Edimburgo, 7 de Maio de 1711Edimburgo, 25 de Agosto de 1776) foi um filósofo e historiadorescocês.

Ao lado de Adam Smith e Thomas Reid, é uma das figuras mais importantes do chamado iluminismo escocês, sendo frequentemente considerado como um dos maiores escritores e filósofos de língua inglesa. Segundo Bertrand Russell, Hume foi o maior dos filósofos britânicos. Fundador do empirismo moderno (com Locke e Berkeley) e, por seu ceticismo, o mais radical entre os empiristas, Hume opôs-se particularmente a Descartes e às filosofias que consideravam o espírito humano desde um ponto de vista teológico - metafísico. Assim Hume abriu caminho à aplicação do método experimental aos fenômenos mentais.

Sua importância no desenvolvimento do pensamento contemporâneo é considerável. Teve profunda influência sobre Kant, sobre a filosofia analítica do início do século XX e sobre afenomenologia.

O estudo da sua obra tem oscilado entre aqueles que colocam ênfase no lado cepticista (tais como Reid, Greene, e os positivistas lógicos) e aqueles que enfatizam o lado naturalista (como Kemp Smith, Stroud, e Galen Strawson). Por muito tempo apenas se destacou em seu pensamento o ceticismo destrutivo. Somente no fim do século XX os comentadores se empenharam em mostrar o caráter positivo e construtivo do seu projeto filosófico.

Hume foi um leitor voraz. Entre suas fontes, incluem-se tanto a Filosofia antiga como o pensamento científico de sua época, ilustrado pela física e pela filosofia empirista. Fortemente influenciado por Locke e Berkeley mas também por vários filósofos franceses, como Pierre Bayle e Nicolas Malebranche, e diversas figuras dos círculos intelectuais ingleses, como Samuel Clarke, Francis Hutcheson (seu professor) e Joseph Butler (a quem ele enviou seu primeiro trabalho para apreciação), é entretanto a Newton que Hume deve seu método de análise, conforme assinalado no subtítulo do Tratado da Natureza Humana - Uma Tentativa de Introduzir o Método Experimental de Raciocínio nos Assuntos Morais.

Seguindo atentamente os acontecimentos nas colónias americanas, tomou partido pelaindependência americana. Em 1775, ele disse a Benjamin Franklin: "eu sou um americano nos meus princípios".

David Hume, originalmente David Home, filho de Joseph Home de Chirnside, advogado, e de Katherine Lady Falconer, nasceu em 26 de Abril de 1711 (calendário juliano) na área do Lawnmarket, em Edimburgo. Mudou seu nome em 1734 porque os ingleses tinham dificuldade em pronunciar 'Home' da maneira escocesa. Ao longo de sua vida, Hume, que nunca se casou, passava temporadas na casa de sua família em Ninewells perto de Chirnside, Berwickshire. Hume era politicamente conservador,[5] favorável ao Tratado de União de 1707 entre a Escócia e aInglaterra. Não se sabe se David Hume tinha alguma crença: segundo alguns, ele era ateu; para outros, agnóstico. Sua língua materna era o escocês (scots). Embora escrevesse exemplarmente em língua inglesa, falava inglês com um forte sotaque. Foi um dos ilustres membros daSelect Society de Edimburgo.

Frequentou a Universidade de Edimburgo. Inicialmente, pensou em seguir a carreira jurídica mas, em suas palavras, chegou a uma "aversão intransponível a tudo, exceto ao caminho da filosofia e a aprendizagem em geral". Sua mãe, que enviuvara quando David era criança, ficou assustada com a decisão, mas Lord Kames, um familiar e protetor de Hume, tranquilizou-a.

Dedicou-se aos estudos, como auto-didata, na França, onde completou a sua obra-prima, Tratado da Natureza Humana, com apenas 26 anos. Apesar de muitos acadêmicos considerarem hoje o Tratado sua maior obra e um dos livros mais importantes da história da filosofia, o público inglês não se entusiasmou imediatamente. Hume tinha esperado um ataque à publicação e preparava uma defesa apaixonada. Para sua surpresa, a publicação do livro passou despercebida, e sobre esta falta de reação do público, em 1739, escreveu: "saiu da editora morto à nascença".

Após ter concluído que o problema do Tratado era o estilo e não o conteúdo, ele encurtou o texto e deu-lhe um estilo mais ligeiro, renovou algum do material para consumo mais popular: esforço que deu existência ao Investigação Sobre o Entendimento Humano. Também não foi muito bem sucedido com o público, embora melhor do que ocorrera com o Tratado. Foi a leitura desta Investigação que teria feito Immanuel Kant - então um desconhecido professor universitário em Königsberg, já de idade avançada e sem qualquer obra relevante - afirmar que o fez acordar do seu "sono dogmático".

Em 1744 foram recusadas a Hume as cadeiras nas Universidades de Edimburgo e Glasgow, provavelmente devido a acusações de ateísmo e à oposição de um dos seus principais críticos, Thomas Reid.

Após estes insucessos, Hume trabalhou como curador de um doente psiquiátrico e posteriormente como secretário de um General.

No entanto, para além dos seus trabalhos no âmbito da filosofia, Hume ascendeu à fama literária como ensaísta e historiador, com o seu célebre História da Inglaterra.

Hume viveu a última década da sua vida em Edimburgo, no novo aldeamento de New Town.

O pensamento de Hume possui ainda relevância extraordinária na filosofia atual, com imensa influência. Eis algumas das suas principais contribuições para a filosofia.

Quando um evento provoca um outro evento, a maioria das pessoas pensa que estamos conscientes de uma conexão entre os dois que faz com que o segundo siga o primeiro.

Hume questionou esta crença, notando que se é óbvio que nos apercebemos de dois eventos, não temos necessariamente de aperceber uma conexão entre os dois. E como havemos nós de nos aperceber desta misteriosa conexão senão através da nossa percepção ?

Hume negou que possamos fazer qualquer idéia de causalidade que não através do seguinte: Quando vemos que dois eventos sempre ocorrem conjuntamente, tendemos a criar uma expectativa de que quando o primeiro ocorre, o segundo seguirá.

Esta conjunção constante e a expectativa dela são tudo o que podemos saber da causalidade, e tudo o que a nossa ideia de causalidade pode inferir. Uma tal conceptualização rouba à causalidade a sua força e alguns Humeanos posteriores, como Bertrand Russell, desmentiram a noção de causalidade no geral como algo de parecido com a superstição.

Mas isto é uma violação do senso-comum. O problema da causalidade: O que justifica a nossa crença numa conexão causal? Que tipo de conexão podemos perceber? É um problema que não tem solução unânime. A perspectiva de Hume parece ser que nós temos uma crença na causalidade semelhante a um instinto, que se baseia no desenvolvimento dos hábitos na nossa mente. Uma crença que não pode ser eliminada mas que também não pode ser provada verdadeira por nenhum argumento, dedutivo ou indutivo, tal como na questão da nossa crença na realidade do mundo exterior.

Todos nós cremos que o passado é um guia confiável para o futuro. Por exemplo: as leis da física descrevem como as órbitas celestes funcionam para a descrição do comportamento planetário até aos dias de hoje. Desse modo presumimos que vão funcionar para a descrição no futuro também. Mas como podemos justificar esta presunção, o princípio da indução?

Hume sugeriu duas justificações possíveis e rejeitou ambas. A primeira justificativa avançada por Hume é que por razões de necessidade lógica, o futuro tem de ser semelhante ao passado. Porém, Hume nota que podemos conceber um mundo errático e caótico onde o futuro não tem nada que ver com o passado ou então, mais submissamente, um mundo tal como o nosso até ao presente, até que certo ponto as coisas mudam completamente.

A segunda justificação, mais modestamente, apela apenas para a segurança passada da indução: sempre funcionou assim, por isso é provável que continue a funcionar. No entanto, como Hume lembrou, esta justificação apenas usa um raciocínio circular, justificando a indução por um apelo que requer a indução para ter efeito.

O problema da indução ainda permanece. A visão de Hume parece ser que nós (como outros animais) temos uma crença instintiva que o nosso futuro será semelhante ao passado, com base no desenvolvimento de hábitos do nosso sistema nervoso. Uma crença que não podemos eliminar mas que não podemos provar ser verdadeira por qualquer tipo de argumento, dedutivo ou indutivo, tal como é o caso com respeito à nossa crença na realidade do mundo exterior.

Para trabalho contemporâneo relevante, ver a compilação de Richard Swinburne: "The Justification of Induction".

Costumamos pensar que somos a mesma pessoa que éramos 5 anos atrás. Apesar de termos mudado em muitos aspectos, a mesma pessoa está presente tal como estava presente no passado. Podemos começar a pensar sobre os aspectos que se podem alterar sem que o próprio (indivíduo) subjacente mude. Hume, no entanto, nega que exista uma distinção entre os vários aspectos de uma pessoa e o indivíduo misterioso que supostamente transporta todas estas características.

Porque no fundo, como Hume afirma, quando se começa a introspecção, notamos um grupo de pensamentos e sentimentos e percepções e tudo isso, mas nunca nos apercebemos de uma substância à qual possamos chamar "o Eu". Por isso, tanto quanto podemos dizer, conclui Hume, não há nada relativamente ao Eu que esteja acima de um grande pacote de percepções transitórias. De notar que, na perspectiva de Hume, não há nada ao qual estas percepções pertencem. Pelo contrário, Hume compara a alma ao povo de uma nação (commonwealth), que retém a sua identidade não em virtude de uma substância básica permanente, mas que é composto de muitos elementos relacionados mas em permanente mutação. A questão da identidade pessoal torna-se assim uma questão de caracterizar a coesão frouxa da experiência pessoal vivida. (Notar que no Appendix do tratado, Hume diz misteriosamente que ele estava insatisfeito com o seu julgamento do Eu, sem no entanto ter regressado a esta questão).

A maioria de nós pensa que certos comportamentos são mais razoáveis do que outros. Parece haver qualquer coisa de abstruso em, por exemplo, comer uma folha de alumínio. Mas Hume negou que a razão tivesse algum papel importante em motivar ou desencorajar o comportamento. No fundo, a razão é apenas uma espécie de calculador de conceitos e experiência. O que no fundo importa, diz Hume, é como nos sentimos em relação a esse comportamento. O seu trabalho gerou a doutrina do instrumentalismo, que declara que uma ação é razoável se e somente se ela serve os objetivos e desejos do agente, quaisquer que estes sejam. A razão pode entrar neste esquema apenas como um servo, informando o agente de fatos úteis relativos às ações que servem aos seus objetivos e desejos, mas nunca condescendendo a dizer ao agente quais objetivos e desejos ele deverá ter.

Assim, se você quiser comer uma folha de alumínio, a razão lhe dirá onde encontrar uma folha de alumínio, e não haverá nada de irracional em a comer ou em o desejar. O instrumentalismo passará a ser uma visão ortodoxa da razão prática em economia, teoria das escolhas racionais e algumas outras ciências sociais. Mas alguns comentadores argumentam que Hume foi mais além do niilismo, e disse que não há nada de irracional em deliberadamente frustrar os seus próprios objetivos e desejos ("eu quero comer folha de alumínio, por isso deixa-me selar a minha boca"). Tal comportamento seria altamente irregular, tirando qualquer papel à razão, mas não seria contrário à razão, que é impotente em fazer julgamentos neste domínio.

No seu ataque ao papel da razão no julgamento do comportamento, Hume argumentou que o comportamento imoral não é imoral por ser contra a razão. Ele primeiro defendeu que as crenças morais estão intrinsicamente motivantes: se você acredita que matar é errado, você estará motivado "ipso facto" a não matar e em criticar a matança (internalismo moral). Ele lembra-nos de seguida que a razão por si só não motiva ninguém: a razão descobre os factos e a lógica, mas ela depende dos nossos desejos e preferências quanto à percepção daquelas verdades e se isso nos motiva. Consequentemente, a razão por si não produz crenças morais. Hume propôs que a moralidade depende ultimamente do sentimento, sendo o papel da razão apenas o de preparar o caminho para os nossos sensíveis julgamentos por análise da matéria moral em questão.

Este argumento contra os fundamentos da moralidade na razão é hoje um dos argumentos pertencentes ao arsenal do anti-realismo moral; o filósofo Humeano John Mackie argumentou que para os factos morais serem factos reais sobre o mundo e ao mesmo tempo, intrinsicamente motivantes, eles teriam de ser factos muito estranhos. Temos pois todos os motivos para desacreditá-los.

Todos nós já notamos o aparente conflito entre o livre-arbítrio e o determinismo: se as nossas acções foram determinadas há milhões de anos, como poderá ser que elas dependam de nós? Mas Hume notou um outro conflito, que torna o problema da livre vontade num denso dilema: a livre-vontade é incompatível com o indeterminismo. Imagine que as suas acções não são determinadas pelos eventos precedentes. Nesse caso, as suas acções serão completamente aleatórias. Em adição, e muito importante para Hume, as ações não são determinadas pelo seu carácter, as suas preferências, os seus valores, etc. Como é que alguém pode ser sido por responsável pelo seu carácter? A livre-vontade parece requerer o determinismo, porque senão o agente e a acção não estariam conectados do modo necessário por acções livremente escolhidas.

Sendo assim, quase todos nós acreditamos no livre-arbítrio, a livre vontade parece inconsistente com o determinismo, mas a livre-vontade parece requerer o determinismo.

Na visão de Hume, o comportamento humano, como tudo o mais, é causado (causal). Por isso mesmo, se tomamos as pessoas como responsáveis pelas seus atos, devemos focar a recompensa ou a punição de forma a que eles façam aquilo que é moralmente desejável e evitem aquilo que é moralmente repreensível.

Segundo Hume, a razão não é antagônica aos sentimentos do qual as duas são intimamente ligadas por associações. De tal maneira que a primeira, ligados por associações de causa e efeito só tomam sentido quanto estes são ligados pelas paixões.

Hume notou que muitos escritores falam do que deve ser, na base de enunciados acerca do que é. Mas parece haver uma grande diferença entre enunciados descritivos (o que é) e enunciados prescritivos (o que deveria ser). Hume apela aos escritores que tomem muito cuidado na mudança do enunciado de um estado para o outro. Nunca sem se dar uma explicação de como o enunciado- "deve ser" é suposto seguir ao enunciado- "é". Mas como exactamente é que se pode derivar o "deve" de um "é" ? Essa questão, colocada num pequeno parágrafo de Hume, tornou-se uma das questões centrais da teoria da ética e costuma ser atribuída a Hume a opinião de que tal derivação é impossível. (Outros interpretam Hume como dizendo que não se pode ir de uma constatação factual a um enunciado ético, mas que se o pode fazer sem atender à natureza humana, isto é, sem prestar atenção aos sentimentos humanos).

G.E: Moore defendeu uma posição similar com a seu "argumento da questão aberta", que pretendia refutar qualquer identificação de propriedades morais com propriedades naturais: a chamada "falácia naturalista". Qualquer teórico ético que pretender dar à moralidade um fundamento objectivo em aspectos mais mundanos da vida real está a lutar por uma causa controversa, no mínimo.

Foi provavelmente Hume quem, juntamente com os seus colegas do Iluminismo escocês, avançou pela primeira vez a ideia de que a explicação dos princípios morais deverá ser procurada na utilidade que eles tendem a promover. O papel de Hume não deverá ser descrito com exagero, claro; foi o seu compatriota Francis Hutcheson que cunhou o slogan utilitarista "a maior felicidade para o maior número". Mas foi através da leitura do "Tratado" de Hume que Jeremy Bentham sentiu pela primeira vez a força do sistema utilitário: ele "sentiu como se escamas tivessem caído dos seus olhos". No entanto, o "proto-utilitarismo" de Hume é muito peculiar, da nossa perspectiva. Ele não pensa que a agregação de unidades cardinais de utilidade será a fórmula para atingir a verdade moral.

Pelo contrário, Hume era um sentimentalista moral e, como tal, achava que princípios morais não podem ser justificados intelectualmente. Alguns princípios simplesmente são-nos apelativos e outros não o são. E a razão porque princípios utilitaristas da moral são apelativos é que eles promovem os nossos interesses e os dos nossos companheiros com os quais simpatizamos.

Os humanos são pouco flexíveis a aprovar coisas que ajudam a sociedade-utilidade pública. Hume usou este dado para explicar como ele avaliava um vasto campo de fenómenos, desde instituições sociais e políticas governamentais até traços de carácter e talentos.

Como Douglass Adair sugeriu, o livro de David Hume, "Essays, Moral, Political and Literary" terá influenciado directamente James Madison na formulação da Constituição Americana. No ensaio ali contido "Idea of a Perfect Commonwealth", Hume refuta a ideia de Montesquieu de que uma grande nação está condenada a ser corrupta e ingovernável. Pelo contrário, afirma Hume, uma nação extensa pode ser, devido à sua diversidade geográfica e socio-económica, bem mais estável do que nações pequenas. Hume escreve: "Apesar de as pessoas como um órgão serem incapazes de governar, caso elas se dispersarem em pequenas unidades (tais como colónias individuais ou estados) elas são mais susceptíveis de se submeter à razão e à ordem; a força das correntes populares (populismo) e marés é, em grande medida, quebrada". A elite conspiradora necessitará de passar mais tempo a coordenar os movimentos das várias partes do todo, do que a planear o derrube. "Ao mesmo tempo, as partes estão tão distantes e remotas que é muito difícil, seja por intriga ou paixão, levá-las a tomar medidas contra o interesse público." James Madison, que estudara em Princeton, e ali tinha tomado contacto com a obra de Hume, incorporou esta visão no seu "Notes on the Confederacy", publicado em Abril de 1787, 8 meses antes dele ter escrito o ensaio defendendo a Constituição, como parte dos "Federalist Papers".